quinta-feira, 27 de maio de 2010

Esclarecimento sobre a vacinação da influenza pandêmica (H1N1) em gestantes

A recomendação da Coordenação-Geral do Programa Nacional de Imunizações em relação as gestantes é:

Para as gestantes deve ser administrada a vacina sem adjuvante. A vacina contra o vírus influenza pandêmico (H1N1) é segura e indicada pelo MS e FEBRASGO para a gestante em qualquer idade gestacional. As informações contidas nas bulas dos diferentes laboratórios produtores para esse grupo populacional são informes de precaução padrão. Informamos que esses alertas são obrigatoriamente incluídos nas bulas, porem a experiência pós-comercialização com a vacina influenza sazonal inativada e com a vacina influenza A/H1N1 pandêmica inativada em outros países não identificou algum risco associado ao uso da vacina em gestantes ou lactantes.

Fonte: Ministério da Saúde.
Disponível em:
http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/nota_esclarece_vacinacao_12_03_10.pdf
Acesso em maio de 2010.

MINISTÉRIO DA SAÚDE

SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE
DEPARTAMENTO DE VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA
Coordenação-Geral do Programa Nacional de Imunizações
SCS, Quadra 4, Bloco A, Edifício Principal.
Brasília/DF, CEP: 70.304-000
Tel. (61) 3213-8297

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Recém-nascido morre depois que mesa cirúrgica do parto quebra

Mãe do bebê teve traumatismos na perna e no púbis


Um recém-nascido morreu depois que a mesa cirúrgica em que sua mãe estava quebrou após o parto em Porto Seguro, no sul da Bahia, no domingo (23). O acidente aconteceu no Hospital Luís Eduardo Magalhães. De acordo com o laudo do Instituto Médico Legal (IML), a causa da morte foi traumatismo craniano. As informações são da TV Bahia.


Alcione Teixeira, 28 anos, deu entrada no hospital pela manhã. O pai do bebê, João Leão, reclamou de ter sido mal tratado no local. A criança, um menino, era o primeiro filho do casal e o segundo de Alcione. A família é de Pindorama, distrito de Porto Seguro. Durante o parto, a maca quebrou e o bebê caiu. A mãe teve ferimentos na perna e traumatismo no púbis. Segundo a avó do bebê, Neli Alves Teixeira, uma enfermeira a procurou para dizer que a criança bateu a cabeça em um balde que estava debaixo da maca.
Alcione pretende procurar o Ministério Público para fazer uma denúncia assim que receber alta. A delegacia da cidade vai instaurar um inquérito para investigar o caso, segundo a delegada Eliana Teles, que salientou que o hospital tem se comportado de maneira prestativa e passado informações.

Em nota, a diretoria do hospital diz que "tomou todas as providências cabíveis no momento, auxiliando a Polícia Civil e, principalmente, realizando o acompanhamento psicológico da paciente, além de um ortopedista estar cuidando da lesão acima citada. A paciente está abatida com a situação, mas passa bem". Ainda segundo o hospital, os equipamentos do hospital passam regularmente por manutenção e nenhum defeito foi constatado nesta mesa cirúrgica.

Matéria publicada pelo Correio: o que a Bahia quer saber em 24 de maio de 2010 e divulgado por Nádia Zanon Narchi na lista da ABENFO-SP.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Escolha errada

Por Ricardo Zorzetto

Estudo publicado na revista Lancet mostra que cesariana desnecessária coloca em risco a vida da mulher e do bebê.

Uma pesquisa internacional publicada na edição de 3 de junho da Lancet, uma das mais respeitadas revistas médicas do mundo, traz um alerta para os médicos e os futuros pais e mães: a realização de partos cirúrgicos ou cesáreos sem uma indicação médica específica coloca em risco a saúde da mulher e do bebê. É um chacoalhão mais do que necessário nos ginecologistas, obstetras e gestores de saúde do mundo todo, que nas últimas quatro décadas viram as taxas de cesarianas desnecessárias crescerem de modo assustador sem as conseguir frear.

O recado das páginas da Lancet assume um significado particular para a América Latina e, em especial, para o Brasil, segundo colocado em realização de partos cesáreos no mundo – uma das principais questões relacionadas à saúde reprodutiva da mulher no país, ao lado da esterilização cirúrgica e da retirada desnecessária do útero (histerectomia). Aqui os índices de partos cirúrgicos insistem em se manter escandalosamente elevados desde a década de 1980, sobretudo entre as mulheres de classe média e alta. Atualmente quatro de cada dez crianças nascem por meio de cesarianas, na maioria das vezes agendadas pelas mães e pelos obstetras bem antes do final da gestação – uma proporção exagerada, duas vezes e meia maior que o índice de 15% aceito pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Difícil de ser modificada, segundo os próprios médicos, essa realidade preocupa porque boa parte dessas cirurgias são desnecessárias e nem sempre representam a forma mais adequada e segura de dar à luz uma criança, como muitas mulheres crêem. Nesses casos, com um pouco de paciência das mães e habilidade dos obstetras, a natureza cumpriria seu papel e esses bebês nasceriam saudáveis de parto normal.

Nesse trabalho coordenado pela OMS e financiado pelo Banco Mundial, epidemiologistas e especialistas em saúde reprodutiva feminina avaliaram o desfecho de quase 100 mil partos realizados entre setembro de 2004 e março de 2005 em oito países da América Latina (Argentina, Brasil, Cuba, Equador, México, Nicarágua, Paraguai e Peru). O resultado confirmou o que se temia: os partos cirúrgicos desnecessários fazem mais mal do que bem.

Quando a taxa de cesáreas de um hospital ultrapassa a faixa que vai de 10% a 20% do total de partos, aumenta muito o risco de complicação para a mãe e o bebê. É maior a probabilidade de a mulher morrer durante o parto, apresentar sangramento grave ou adquirir uma infecção que exija internação no setor de tratamento intensivo. Já a criança corre mais risco de nascer com menos de 37 semanas (prematura) por erro de cálculo médico, de morrer durante o nascimento ou na primeira semana de vida e de necessitar de cuidados intensivos. Mesmo quando se levaram em consideração os diferentes níveis de complexidade dos 120 hospitais avaliados, ou seja, a capacidade de atenderem casos de maior ou menor gravidade, os perigos para a mãe e o bebê não diminuíram. “Todos os indicadores de saúde da mulher e da criança pioram”, afirma o obstetra chileno Aníbal Faúndes, uma das mais respeitadas autoridades internacionais em saúde reprodutiva. Coordenador da equipe de 90 brasileiros que participou desse estudo, Faúndes mudou-se para o Brasil há 30 anos após deixar o Chile na ditatura de Augusto Pinochet depois de coordenar o programa de saúde da mulher no início do governo de Salvador Allende.

Gasto desnecessário - “Como as complicações decorrentes das cesarianas são relativamente raras, os médicos costumam dizer: ‘Isso não acontece nas minhas mãos’”, comenta Faúndes, professor aposentado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Centro de Pesquisas em Saúde Reprodutiva de Campinas (Cemicamp).“Mas do ponto de vista populacional as conseqüências desses eventos são graves e devem ser levadas em consideração”, diz. Um desses efeitos é o aumento dos gastos públicos com saúde.Nos países desenvolvidos o acréscimo de 1% nas taxas de cesarianas representa um gasto extra de US$ 9,5 milhões. Calcula-se que no Brasil, onde nascem 2,5 milhões de crianças por ano, haja 560 mil cesáreas desnecessárias que consomem quase R$ 84 milhões. “É um dinheiro que poderia ser investido em outras formas de cuidado da mãe ou da criança”, diz Faúndes.

Embora o risco de morrer durante uma cesariana seja muito menor do que foi quase quatro séculos atrás, quando esse procedimento começou a ser feito em mulheres vivas – antes fazia-se a cesárea apenas após a morte da mãe para salvar a vida do bebê –, os partos cirúrgicos dispensáveis contribuem para manter a mortalidade materna brasileira em níveis bem superiores aos de países desenvolvidos como o Reino Unido.
Estima-se que entre 75 e 130 brasileiras em cada grupo de 100 mil morram durante o parto ou por complicações associadas à gravidez. Entre as súditas da rainha esse índice é de aproximadamente
dez mortes por 100 mil.

Apesar da imprecisão dos dados brasileiros, é fácil associar boa parte dessas mortes à cesariana. Estudos internacionais apontam que perto de cem mulheres perdem a vida a cada 100 mil cesáreas, cinco vezes mais que o parto normal. Até o século 19 três de cada quatro mulheres morriam de infecção ou sangramento intenso (hemorragia) em conseqüência dessa cirurgia. Hoje, em uma cesariana, o médico faz uma incisão de 10 a 15 centímetros no ventre materno logo acima dos pêlos pubianos e corta outras cinco camadas de tecido até alcançar o útero para retirar o bebê.

“É impressionante o grau de abuso da cesariana no país”, afirma a socióloga Jacqueline Pitanguy, diretora da ONG Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (Cepia), que atua na área de direitos reprodutivos e sexuais.“Há por aqui um descaso histórico com gestação e parto”, diz.

A persistência dos índices de cesariana em níveis tão elevados por mais de duas décadas levou o Ministério da Saúde a adotar algumas estratégias – infelizmente, nem sempre suficientes – para tentar reduzir o número de cesáreas. A mais recente é a Campanha de Incentivo ao Parto Normal, lançada em 30 de maio para conscientizar a população sobre a importância do parto normal e ajudar a desfazer a idéia já cristalizada na sociedade de que o parto cirúrgico é melhor e mais seguro.

São três os objetivos da campanha: explicar a importância dos exames de acompanhamento da saúde da mulher e do bebê durante a gestação, mostrar os benefícios do parto normal e reforçar a idéia de que a mulher tem direito a um parto mais acolhedor, sem a realização de procedimentos médicos desnecessários e com o acompanhamento de uma pessoa de sua escolha – é o chamado parto humanizado.

Caminho certo - Mas por que realizar uma campanha de esclarecimento para a população e não para os ginecologistas e obstetras, que por razões éticas deveriam recomendar para a mulher a forma mais apropriada de parto? “Não adianta trabalhar apenas com os médicos”, afirma a epidemiologista Daphne
Rattner, da Área Técnica de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde. “Queremos conscientizar as pessoas sobre a importância do parto normal para que passem a cobrar dos profissionais da saúde.” Na opinião de Jorge Francisco Kuhn dos Santos, professor de obstetrícia na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp),
esse é mesmo o caminho: “É fundamental que a mulher esteja mais bem informada sobre a necessidade de fazer ou não uma cesariana para o seu bebê nascer. Somente quando as mães souberem que o cordão umbilical enrolado no pescoço do bebê ou a redução do líquido amniótico por si sós não representam
obrigatoriamente a necessidade de parto cesáreo é que vão lutar para melhorar esse quadro”.

Essa não é a primeira ação do governo federal para tentar reduzir o número de cesarianas desnecessárias. Em 2000 o Ministério da Saúde fez com os estados um pacto pela redução das cesáreas. Uma portaria do ministério determinou que as secretarias estaduais da Saúde acompanhassem o número de partos nos hospitais afiliados ao SUS para garantir que o índice de cesáreas não aumentasse nos estados em que já
era inferior a 20% e que baixasse para 25% naqueles em que era superior.

Mas, aparentemente, aconteceu o contrário.“As taxas de cesáreas estão subindo”, afirma Daphne. Há dois anos o ministério iniciou também uma série de cursos de Atenção Obstétrica e Neonatal Humanizadas e Baseadas em Evidências Científicas como parte da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher. Até maio haviam sido treinadas equipes de cerca de 250 maternidades que se comprometeram a implantar
modificações para reduzir a taxa de cesáreas e oferecer o parto normal humanizado em seus hospitais de origem. Essas equipes também assumiram a responsabilidade de repassar o conhecimento para as principais maternidades de seus estados, uma forma de disseminar a informação mais rapidamente entre os quase 6 mil hospitais do país. “A expectativa é de que quanto mais serviços oferecerem atenção humanizada ao parto mais os profissionais passem a compactuar com essa estratégia”, explica Daphne.

Espera-se que os efeitos dessas medidas não se restrinjam ao setor público, em que o número absoluto de partos cesáreos (618 mil por ano) é bem maior que no privado. Mas certamente outras ações serão necessárias para reduzir os índices de partos cirúrgicos particulares ou pagos pelos planos de saúde – menores em valor absoluto, 246 mil cesáreas por ano, mas proporcionalmente mais elevados. Por essa razão, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que regula o funcionamento dos planos e seguros de saúde, uniu seus esforços aos do ministério. Em 2005 a ANS fez o primeiro diagnóstico das taxas de cesariana no setor e atualmente estuda uma forma de reduzir o índice de cesarianas desnecessárias dos inquietantes 80%.

“Estamos avaliando a estratégia de tornar disponível no site da ANS uma pontuação de cada operadora de plano de saúde, determinada por uma série de indicadores, entre eles o índice de cesarianas”, afirma Karla Santa Cruz Coelho, gerente-geral técnico-assistencial de produtos da ANS.“Pretendemos alcançar uma redução de 15% nos próximos três anos.” Mesmo essas medidas são consideradas tímidas.“É necessária uma ação mais firme”, diz Santos, da Unifesp. “O médico que só faz cesariana deveria ser descredenciado.”

Em um ponto todos concordam: a questão dos partos cirúrgicos desnecessários é um problema de solução complexa que depende tanto da mudança de postura de ginecologistas e obstetras como da sociedade. “Há
no Brasil uma cultura medicalizada da saúde da mulher”, explica Daphne Rattner. Suas raízes estão no início do século passado, quando os partos deixaram de ser realizados em casa, com o auxílio de uma parteira que em geral havia ajudado a nascer quase toda a família, e passaram para as mãos dos médicos nas salas de parto dos hospitais, até então destinados ao atendimento das camadas mais pobres da população. O desenvolvimento de técnicas de anestesia e tratamentos com antibióticos para prevenir infecções nos últimos
50 anos também contribuiu para reduzir muito a mortalidade materna e tornar a cesárea a cirurgia mais popular do mundo.

No Brasil a proporção de partos cirúrgicos dobrou durante a década de 1970 e não baixou mais. Hoje as cesarianas correspondem a 82% dos partos pagos por convênios médicos, que atendem 14 milhões de brasileiras com idade entre 10 e 49 anos, e a 30% dos partos feitos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), única forma de acesso aos serviços de saúde para 58 milhões de mulheres em idade reprodutiva.

Esse crescimento, no entanto, não se explica somente pela tentativa de proteger a vida da mãe e da criança, como identificaram Faúndes e José Guilherme Cecatti, da Unicamp, já em 1991 em um artigo publicado nos Cadernos de Saúde Pública. Se as cesarianas fossem realizadas apenas com indicação médica – por exemplo, quando não chega oxigênio suficiente para o bebê durante o trabalho de parto –, era de esperar que seus índices fossem mais elevados entre as mulheres mais pobres, sabidamente portadoras de mais complicações durante a gravidez e o parto do que as mais abastadas. Mas não é o que se observa no país, onde essas cirurgias são mais comuns nas classes média e alta.

Outros fatores não-médicos também influenciaram a expansão das taxas de cesariana. Até 1980 o governo federal pagava ao médico mais pelo parto cesáreo que pelo normal, que não incluía anestesia. Na tentativa de reduzir as cesáreas, diminuiu-se a diferença entre o valor do parto normal e o do cesáreo no setor público – hoje o SUS paga aos hospitais, não aos médicos, R$ 317,39 pelo parto normal e R$ 443,68 pela cesárea –, sem muita eficiência.

Controle de natalidade - Além disso, naquele período tornou-se popular no Brasil a esterilização cirúrgica, conseqüência, em parte, da pressão das nações desenvolvidas como os Estados Unidos pela redução do crescimento da população nos países pobres. Em meio à política autoritária que vigorava no país, pregava-se o controle da fecundidade como solução para a pobreza. Resultado: três de cada quatro mulheres aproveitavam a cesariana, muitas vezes induzida pelos médicos, para fazer a esterilização definitiva por meio de uma técnica chamada laqueadura tubária, em que o cirurgião corta e amarra as pontas dos pequenos canais que conduzem os óvulos até o útero.

Proibida em 1997 pela Lei do Planejamento Familiar de ser feita ao mesmo tempo que a cesárea, a laqueadura tubária permanece o método anticoncepcional mais comum no país. Segundo Faúndes, há dois motivos por que as mulheres ainda optam por essa forma de contracepção, difícil de ser revertida em caso
de arrependimento: elas desconhecem que outros métodos como o dispositivo intra-uterino (DIU) e os hormônios injetáveis trimestrais são tão eficientes quanto a laqueadura e nem sempre os métodos alternativos estão disponíveis no setor público.

“Há mais de 20 anos o governo federal tomava providências no país para tentar combater o efeito dinheiro”, diz a socióloga Jacqueline Pitanguy, que na década de 1980 presidiu o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, ligado ao Ministério da Justiça e à Presidência da República.“Mas não surtiu muito efeito.” Já no setor privado esse estímulo praticamente não existe. O valor dos partos particulares varia muito e, embora os
planos de saúde paguem honorários quase iguais para partos cirúrgicos e normais, os obstetras poupam tempo ao optar pela cirurgia

“Não dá para culpar apenas o médico, que tem de pagar os gastos para manter seu consultório”, explica Santos.Uma alternativa seria aumentar o valor pago pelo parto natural, que nunca tem hora marcada para ocorrer. Assim, quem sabe, os obstetras se animariam em abrir um espaço na agenda do consultório para
pacientemente acompanhar o trabalho de parto, que pode durar mais de 24 horas – em uma cesárea pré-agendada entre médico e paciente, a chamada cesariana com hora marcada, o obstetra é capaz de
se deslocar até o hospital, realizar o parto e retornar ao consultório em menos de três horas, mesmo em uma cidade com trânsito complicado como São Paulo.

Mas dinheiro não é tudo. Os próprios médicos se sentem com mais controle da situação quando realizam a cesárea, ainda que sua paciente não tenha consciência completa dos riscos que corre durante essa cirurgia. Afinal, lembra Santos, dificilmente se processa um médico por ele ter realizado uma cesárea feita sem necessidade.“Mesmo que haja uma complicação as pessoas pensam: ‘Pelo menos o médico usou a melhor tecnologia disponível”, afirma. Esse mesmo médico poderia ser questionado judicialmente se tivesse optado nessa mesma situação por um parto normal.

Essa postura médica é o que o respeitado neonatologista e obstetra norteamericano Marsden Wagner, ex-diretor da área de saúde da mulher e da criança da OMS, chamou de obstetrícia defensiva, uma tendência mundial, em um comentário publicado em 2000 na Lancet. Mas, segundo Wagner, ao realizar a obstetrícia defensiva, os profissionais da saúde violam um princípio fundamental da sua prática: “O que quer que o médico faça deve ser, em primeiro lugar e acima de tudo, em benefício do paciente”.

A psicóloga Ana Cristina Gilbert, a historiadora Maria Helena Cardoso e a pediatra Susana Wuillaume viram que essa confiança na técnica já aparece durante o processo de formação do especialista em um estudo com residentes de ginecologia e obstetrícia do Instituto Fernandes Figueira, da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio, publicado em maio nos Cadernos de Saúde Pública. “Os residentes se sentem com mais controle sobre a saúde da mulher e sobre o tempo em uma cesariana”, explica Ana Cristina. “Isso é importante para eles, que se vêem profissionalmente desvalorizados na profissão e são muito cobrados pelos pacientes, que buscam neles sempre respostas para seus problemas.”

Uma das motivações dessa forma de agir é a insegurança para realizar o parto normal, conseqüência de como se dá no país a especialização médica nessa área. Concluída a graduação, quem deseja se tornar um obstetra tenta uma disputadíssima vaga em um hospital de alta complexidade, como os universitários. Ali, esse profissional atende sobretudo gestantes de alto risco, com indicação para cesárea. Como não vê situações mais simples, ele perde a habilidade de realizar o parto normal.“Esses profissionais deveriam fazer estágio em casas de parto, onde os bebês em geral nascem naturalmente, acompanhados por enfermeiras obstétricas”, afirma Santos.

Nos últimos anos equipes do Cemicamp e da Unicamp ajudaram a derrubar um argumento muito usado pelos obstetras para justificar a realização das cesarianas: o de que as mulheres preferem a cirurgia por medo da dor do parto normal ou por receio dos efeitos desse tipo parto sobre a vida sexual feminina – em alguns casos, é preciso fazer um pequeno corte na lateral da vagina ou no períneo para facilitar a passagem do bebê. Mas esse receio da dor parece ser apenas palpite médico. “Essa afirmação não se sustenta”, diz Faúndes, que coordenou um estudo com 656 mulheres que haviam tido mais de um parto em hospitais públicos do interior de São Paulo e de Recife, Pernambuco.

Pela via natural - Nove de cada dez mulheres que já haviam experimentado as duas formas de parto preferiam o normal. Mais interessante: entre as que só haviam feito cesarianas, 73% declararam também que a melhor forma de parto é o natural. O motivo mais citado por elas é que a dor do parto normal é menos intensa que a do pós-operatório da cesariana. “A dor no parto normal é forte, mas passa”, diz Jacqueline Pitanguy, mãe de três filhos que nasceram pela via natural depois de muita insistência dela com o médico. “Nem sempre o parto normal é sinônimo de dores horríveis, afinal, como se fazia milhares de anos atrás?” Em 2001 um levantamento com 1.600 mulheres de quatro cidades brasileiras mostrou que parte das que haviam tido filho por cesárea preferiam o parto normal.

A aceitação da cesariana pela mulher é, em parte, conseqüência do desequilíbrio de poder na relação entre médico e paciente. “O parto é um momento de muito medo para a mulher, em especial quando é o do primeiro filho”, explica Jacqueline. “Ela se sente poderosa por estar grávida e, ao mesmo tempo, fragilizada.
Por isso acha mais seguro assumir uma postura passiva e deixar a decisão nas mãos do médico.”O obstetra,
por sua vez, sente-se mais valorizado quando está no domínio da situação. “Se o médico disser à mãe que o bebê está sofrendo, ela se sujeitará a qualquer coisa”, comenta Santos. Essa diferença de poder também ajuda a explicar tratamentos radicais como a retirada do útero para combater tumores benignos em casos que nem sempre a cirurgia seria necessária (16% do total). Esse procedimento é mais freqüente entre as
mulheres de menor renda e nível de escolaridade, como constatou Renata Aranha, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Uma forma de reduzir as taxas de parto cesáreo é tornar obrigatória a consulta de um obstetra mais experiente, a conhecida segunda opinião, como mostraram Maria José Osis, Karla Pádua e Aníbal Faúndes, do Cemicamp, e José Guilherme Cecatti, da Unicamp, em artigo na Revista de Saúde Pública de abril. Também se pode estimular a realização de partos em casa, como ainda é feito na Inglaterra em quase
metade dos casos. Em 2005 a Universidade de São Paulo (USP) reabriu depois de 33 anos o curso superior para a formação de parteiras, atividade exercida informalmente hoje por entre 40 mil e 60 mil mulheres no Norte e Nordeste do país. “A questão do parto é um problema político porque há médicos e enfermeiras legalmente habilitados para executar essa função”, diz Santos, “e agora novamente haverá parteiras”. A solução certamente não é única, nem virá em pouco tempo.

Na hora do parto
■ A cada minuto são feitas três cesarianas no Brasil: duas pagas pelo Sistema Único de Saúde e uma por convênios médicos privados.

■ Por ano são realizados no país 864 mil partos cirúrgicos, o equivalente a 40% do total de partos.

■ 65% das cesarianas são consideradas desnecessárias.

■ Uma em cada mil mulheres que faz cesariana morre em conseqüência da cirurgia.

Artigo publicado na revista "Pesquisa Fapesp" em junho de 2006. p. 40-44.

sábado, 22 de maio de 2010

MATERNIDADE: Parto traumático gera estresse prolongado

Pesquisadores da UFPE realizam estudo inédito na área e alertam para problema que pode ser gerado pela má assistência no hospital.
Maria tem 20 anos. Pariu o primeiro filho há um mês, num hospital público do Sertão de Pernambuco. Descreve o nascimento da desejada criança, fruto do seu casamento por amor, como uma sessão de horror e tortura. Com nove meses de gestação completos, sente as primeiras dores pela manhã. Procura a maternidade e, mesmo sem examiná-la, a médica a manda de volta para casa. As dores aumentam e ela retorna ao mesmo serviço. À noitinha a obstetra a examina e diz que a transferência para outra maternidade é inevitável porque não há vagas no serviço. A jovem mãe insiste, teme ficar longe da família e perder o filho. É alojada numa enfermaria-geral.Quando o corpo começa a expulsar a criança, a gestante desce sozinha da maca e anda todo o corredor, sem qualquer apoio, até a sala de parto. No nascimento propriamente, é culpabilizada por não ajudar, sente os cortes para a passagem do bebê e, no fim, mais uma vez é tratada com indiferença. “Me mandaram descer sozinha da mesa”, conta, lembrando os momentos finais em que novamente se sentiu abandonada, ignorada e agredida. Foram horas pensando que poderia morrer ou ver a criança nascer morta. “Nunca mais quero ter filho”, sentencia, visivelmente traumatizada com o horror do parto, anormal para a expectativa de quem estava descobrindo a maternidade. Maria não quer ser identificada, teme ser vítima no futuro, pois é dependente do único serviço de saúde da cidade.

A história acima repete-se em relatos colhidos na porta de hospitais e nos acolhimentos feitos por entidades feministas e de direito reprodutivo. É um exemplo de como um dos momentos mais importantes na vida da mulher pode se transformar em sofrimento psíquico de repercussões que a ciência só recentemente vem estudando.

Psiquiatras do Programa de Saúde Mental da Mulher da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) alertam para a incidência do parto traumático e outra complicação posterior, o transtorno do estresse pós-traumático, que interfere na vida conjugal e reprodutiva da mulher, como também na relação mãe-bebê. Eles vão iniciar no segundo semestre deste ano uma pesquisa que visa avaliar a incidência do problema em mulheres que deram à luz no Recife.

Em 2008, ao estudar depressão pós-parto e transtornos de ansiedade, o programa detectou uma proporção significativa de mulheres vítimas do parto traumático e 5% delas já apresentavam o transtorno do estresse pós-traumático, segundo o psiquiatra Amaury Cantilino, doutor em neuropsiquiatria e ciências do comportamento. Ele coordena o Programa de Saúde Mental da Mulher da UFPE, que também faz atendimento ambulatorial, às sextas-feiras pela manhã (telefone 81-2126-3692), recebendo mulheres encaminhadas por obstetras e pediatras.

O grupo de estudiosos, formado também pelos psiquiatras Carla Zambaldi e Everton Sougey, publicou no ano passado artigo em revista científica brasileira sobre o assunto. Seria a primeira publicação local a respeito do tema e trata-se de revisão da literatura mundial, cujo artigo inicial é de 1998. As descobertas recentes sobre o impacto do problema sugerem que a próxima classificação em psiquiatria considere o transtorno do estresse pós-traumático relacionado especificamente ao parto.“De 21% a 34% das mulheres podem experimentar o parto traumático”, explica Amaury Cantilino. Segundo ele, o trauma ocorre durante o trabalho de parto ou no momento do nascimento da criança que envolve real ou temida lesão física. Dor excessiva, hemorragia, morte do recém nascido, uso de fórceps, experiência humilhante, cuidado médico inadequado, transferência do bebê para uma UTI ou anomalia congênita são algumas das situações listadas que levam ao sofrimento psíquico da mãe. “Nesse evento, a mulher experimenta medo intenso, desamparo, perda de controle e horror”, esclarece.

CONSEQUÊNCIAS

As mulheres traumatizadas com o parto relatam atendimento arrogante, frio, técnico e queixam-se de não ter sido ouvidas pela equipe de saúde. “Mesmo quando um parto é considerado dentro da normalidade pela equipe de saúde, pode ser traumático para a parturiente”, acrescenta o psiquiatra, dando uma noção mais ampla do problema.

Experiências anteriores ao nascimento do filho também favorecem o distúrbio. Mulheres que sofreram violência sexual na infância ou fase adulta têm 12 vezes mais chances de sofrer parto traumático. Uma fração das que desenvolvem o trauma acaba tendo o estresse pós-traumático, caracterizado por recordações aflitivas, associadas em parte dos casos a ansiedade, raiva, depressão e tensão. “A mulher revive o trauma em pensamentos e pesadelos”, explica a psiquiatra Carla Zambaldi. Para ela, é fundamental que a gestante tenha um bom acompanhamento no pré-natal para identificação de fatores individuais que previamente podem ajudar a desencadear o trauma no parto. “O que protege as mulheres é o acesso prévio a bastante informação sobre o parto, que a deixa consciente sobre o que vai acontecer, como também o apoio que ela recebe na hora do nascimento do bebê. Daí a importância do acompanhante, que pode ser o pai da criança, a mãe da parturiente ou mesmo doulas (mulheres da comunidade que acompanham a gestante)”, avalia Carla Zambaldi. Segundo ela, cabe à equipe que assistiu a mulher no parto (obstetra e enfermeiros) observar e conversar com a mulher sobre a experiência que ela vivenciou. Ao identificar a situação traumática, a paciente deve ser encaminhada a serviço de saúde mental.

Quando a mulher desenvolve o estresse pós-traumático, apresenta sofrimento significativo e prejuízo na sua função social, familiar ou ocupacional, lembra Amaury Cantilino. O tratamento é com assistência psiquiátrica e psicológica.


O artigo no Scielo:

ZAMBALDI, Carla Fonseca; CANTILINO, Amaury; SOUGEY, Everton Botelho. Traumatic birth and posttraumatic stress disorder: a review. J. bras. psiquiatr., Rio de Janeiro, v. 58, n. 4, 2009.
Artigo publicado em 16.05.2010 e divulgado na lista da ABENFO-SP por Nádia Zanon Narchi (nzn@usp.br) e por Glauce Cristine Ferreira Soares (glaucesoares@yahoo.com.br) cujo o tema do artigo é o mesmo do seu mestrado.

Mulher dá à luz em terminal de ônibus em Florianópolis

Maternidade teria recusado atendimendo à mãe cerca de duas horas e meia antes
Por volta das 20h30min desta segunda-feira, Cristina Inês da Silva Lutckemmayer, de 24 anos, deu à luz uma menina no Terminal Integrado do Centro (Ticen), em Florianópolis. Ela estava passando pelo terminal quando a bolsa estourou. A irmã de Cristina foi até o bairro Ingleses, no Norte da Ilha de Santa Catarina, pegar roupas e documentos para ir ao hospital, mas não conseguiu retornar a tempo.

Cristina se escorou em uma banquinha de jornal em frente ao Ticen e deu à luz uma menina, com ajuda das pessoas que passavam pelo local. — Escutei uns berros e vi dois homens do lado de uma mulher. Cheguei perto e vi que ela estava tendo um filho. Aí, chegou uma enfermeira, que também estava passando no Ticen, ajudou a retirar a criança de dentro da mãe e eu fique auxiliando. Quando saiu, tirei a minha jaqueta e cobri a criança — relembra a aposentada Maria Goretti Nasário, de 51 anos.

Quando Laura Vitória nasceu — o nome é em homenagem a uma enfermeira do Hospital Universitário que cuidou de Cristina durante a gravidez — uma salva de palmas marcou o momento. Testemunhas do parto se emocionaram ao descrever a cena:

— Fiquei sem reação, nervoso, sem saber o que fazer. Ela estava ali, em pé, e a criança já estava saindo — descreve Lauro Junior, corretor de imóveis que trabalha no posto de uma imobiliária que fica no Ticen.

O Corpo de Bombeiros de Florianópolis atendeu a ocorrência e levou a mãe e a criança para o Maternidade Carmela Dutra, onde estão sendo atendidas. No processo do parto, o corte do cordão umbilical foi a única parte que não aconteceu ali abaixo de chuva.

Quando os bombeiros chegaram ao local, mãe e filha apenas aguardavam o transporte até a Maternidade Carmela Dutra.

Atendimento teria sido negado

Segundo Beatriz Alves da Silveira, irmã de Cristina, as duas procuraram atendimento na Carmela Dutra por volta das 18h, depois que Cristina começou a sentir dores durante uma caminhada pelo Centro da cidade. Segundo Beatriz, a gestante não teria recebido atendimento porque estava sem documentos. Foram embora e, ao chegar ao Ticen, a bolsa teria estourado.

A assessora de imprensa da Secretaria do Estado da Saúde, Ana Lavratti, informou por telefone que, assim que o secretário Roberto Hess soube do fato pela reportagem, ficou consternado com a situação e lamentou o transtorno do ocorrido para a família Cristina.

Ana explicou que o o secretário entrou em contato com a direção da maternidade e solicitou imediatamente a apuração do ocorrido para que nesta terça-feira sejam tomadas as medidas cabíveis.

Depois das 19h, um gerente fica na unidade como responsável e não soube dar detalhes sobre o que aconteceu. A assessoria ainda informou que nesta noite de segunda-feira era cedo para dizer o que pode acontecer com o funcionário que teria negado atendimento.

Matéria publicada no Diário Catarinense no dia 17/05/2010.

Semana Mundial pelo Respeito ao Nascimento

Exposição fotográfica em comemoração à Semana Mundial pelo Respeito ao Nascimento em Campinas.

Do dia 16 a 23 de maio.
Local: R. Edward Vita de Godoy, 828 em Barão Geraldo, no Espaço Céu Aberto.

A programação desse mês vocês conferem no blog: http://ceuabertoarte.blogspot.com/2010/05/exposicao-de-fotografias-semana-mundial.html


Divulgado por Renata Olah

O mundo precisa de parteiras, agora mais do que nunca!

São necessárias 350.000 parteiras para reduzir as mortes e lesões desnecessárias durante o parto.

Enquanto em todo o mundo as parteiras se preparam para celebrar o Dia Internacional da Parteira, no dia 5 de maio, a Confederação Internacional de Parteiras (ICM na sigla em inglês) exorta os líderes mundiais a que destinem mais recursos para as parteiras.

A próxima reunião do G8 a ser realizada no Canadá destacará a necessidade de reduzir a morbidade e mortalidade materna e de recém-nascidos no mundo todo.Os recursos humanos de parteria já foram identificados como um fator essencial para alcançar esse objetivo.

Bridget Lynch, presidente da ICM, disse que "as parteiras ajudam a salvar as vidas das mães e de seus recém-nascidos e que sem as parteiras as mulheres continuarão a morrer sem necessidade, de complicações relacionadas ao parto.

A ICM clama aos governos para que fortaleçam a parteria em todo o mundo, pois quando as parteiras contam com o apoio de sistemas de saúde operantes para utilizar suas habilidades básicas para salvar vidas, elas podem ajudar a prevenir até 90% das mortes maternas.

A Confederação Internacional de Parteiras diz que é uma vergonha internacional que uma mulher morra a cada minuto porque está grávida, especialmente porque a maioria das mortes são evitáveis. A Presidente da ICM, Bridget Lynch, acrescenta: O incremento de umas 350.000 parteiras a mais no mundo inteiro é ainda mais urgente se considerarmos que a cada ano morrem 1,5 milhões de recém nascidos nas primeiras 24 horas de vida e milhões de mulheres sofrem de incapacidades duradouras porque não têm acesso à assistência básica durante o parto.

O Dia Internacional da Parteira foi estabelecido para conscientizar o mundo inteiro sobre o papel da parteira. Este ano, os membros da ICM em todo o mundo estarão unindo as suas 96 associações para dar destaque às profissionais de parteria.

No mes de maio, a aliança White Ribbon Alliance (Aliança Fita Branca) e a Campanha de Mortalidade Materna lançaram a campanha "Parteiras são super-heróis" ("Midwives are Super Heroes") e Save the Children publicará seu informe anual sobre o estado das mães do mundo ("State of the World's Mothers"), que reconhece o papel das parteiras para salvar as vidas dos recém-nascidos nos países de baixa renda.

Ademais, a OMS, UNFPA, UNICEF e o Banco Mundial estão organizando o simpósio global de parteria que será realizado na cidade de Washington, D.C., no próximo mês de junho. Esta reunião reunirá todas as alianças globais, para fortalecer o papel da parteira na promoção e proteção da saúde materna e do recém nascido no mundo. Bridget Lynch, Presidente da ICM diz: "Este ano marca o reconhecimento significativo da necessidade absoluta de desenvolver uma forte capacidade de trabalho de partería."

Se queremos alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio até o ano de 2015, fortalecer a partería deve ser uma prioridade para todos os governos do mundo.

O mundo necessita parteiras agora, mais do que nunca!

Divulgado pela Profa Dra Nádia Zanon Narchi, no dia 5 de Maio de 2010, por meio da lista da ABENFO - SP, sobre o Dia da Parteira - Confederação Internacional das Parteiras.

Episiotomia: breve histórico

Por Dra. Melania Amorim

A episiotomia consiste na incisão do períneo para ampliar o canal de parto, e sua prática foi historicamente introduzida no século XVIII por uma parteira irlandesa, Oud (1741), para ajudar o desprendimento fetal em partos difíceis. Embora não tenha ganhado popularidade no século XIX, o procedimento tornou-se disseminado no século XX em diversos países, sobretudo nos Estados Unidos da América e países latino-americanos, entre eles o Brasil. Foi a época em que a percepção do nascimento como um processo normal requerendo o mínimo de intervenção foi substituído pelo conceito do parto como um processo patológico, requerendo intervenção médica para prevenir lesões maternas e fetais.


A popularidade da episiotomia difundiu-se enormemente a partir das recomendações de obstetras famosos, como Pomeroy e DeLee. Este último, na década de 1920, lançou um tratado em que recomendava episiotomia sistemática E fórceps de alívio em todas as primíparas. A finalidade da episiotomia, de acordo com os postulados de DeLee, seria reduzir a probabilidade de lacerações perineais graves e o risco de trauma fetal, e isso passou a ser aceito como verdade incontestável e transcrito em tratados de obstetrícia, embora não tivesse sido comprovado em nenhum estudo clínico na época.

A prática da episiotomia foi grandemente alargada nas décadas subseqüentes, coincidindo com o número progressivamente maior de partos hospitalares a partir da década de 1940, nos EUA. Esta mudança no local de parto gerou uma série de intervenções que não se baseavam em nenhuma evidência científica. Alguns autores mencionam que a prática da episiotomia aumentou consideravelmente a partir da década de 1950 porque muitos médicos acreditavam que sua realização reduzia significativamente o período expulsivo, o que lhes permitia atender rapidamente a grande demanda de partos hospitalares, às vezes simultâneos.

Deve-se destacar que o uso se tornou bem mais freqüente com a adoção do parto em posição horizontal (baseado fundamentalmente no conforto no obstetra) e da prática sistemática do fórceps de alívio, requerendo "espaço extra" para a manipulação vaginal.

O número de episiotomias só passou a se reduzir a partir da década de 70, quando os movimentos de mulheres e as campanhas pró-parto ativo passaram a questionar o procedimento. Concomitantemente, foram publicados os primeiros estudos clínicos bem conduzidos sobre o tema, em que se questionava o uso rotineiro de episiotomia. Destaca-se a importante revisão de Thacker e Banta, publicada em 1983, em que se demonstrou, além da inexistência de evidências de sua eficácia, evidências consideráveis dos riscos associados ao procedimento: dor, edema, infecção, hematoma e dispareunia. Apesar de ter tido pouco impacto na comunidade científica na época, este estudo despertou o interesse de se estudar sobre episiotomia, e posteriormente foram conduzidos ensaios clínicos randomizados bem controlados, dos quais o maior foi um estudo argentino, publicado em 1993.

A revisão sistemática da Biblioteca Cochrane (Carroli e Belizan), atualizada pela última vez em 1999, inclui seis ensaios clínicos randomizados e um total de 4850, submetidas à episiotomia de rotina ou seletiva. No primeiro grupo, 73% receberam episiotomia, contra 28% no segundo grupo. Os autores concluíram que os benefícios da episitomia seletiva (indicada somente em situações especiais) são bem maiores que a prática da episiotomia de rotina.

Conclusões
Baseando-nos nesses resultados da revisão sistemática, bem como nas conclusões de diversos outros estudos randomizados desde então publicados, podemos afirmar que:

1) Não há diferença nos resultados perinatais nem redução da incidência de asfixia nos partos com ou sem episiotomia, ou seja: os bebês nascem muito bem sem episiotomia, e não há necessidade de realizá-la com esse intuito.

2) Não há proteção do assoalho pélvico materno: a episiotomia não protege contra incontinência urinária ou fecal, e tampouco contra o prolapso genital, associando-se com redução da força muscular do assoalho pélvico em relação aos casos de lacerações perineais espontâneas.

3) A perda sanguínea é mais volumosa (em torno de 800ml contra 500ml no parto vaginal espontâneo), utiliza-se uma maior quantidade de fios para sutura e há mais dor perineal quando se realiza episiotomia.

4) A episiotomia é per se uma laceração perineal de segundo grau, e quando ela não é realizada pode não ocorrer nenhuma laceração ou surgirem lacerações anteriores, de primeiro ou segundo grau, mas de melhor prognóstico.

5) A episiotomia não reduz o dano perineal, ao contrário, aumenta-o: nas episiotomias medianas é maior o risco de lacerações de terceiro ou quarto graus.

6) A episiotomia aumenta a chance de dor pós-parto e dispareunia.

7) A episiotomia pode cursar com complicações como edema, deiscência, infecção (até fasciíte necrosante) e hematoma.

A recomendação atual da Organização Mundial de Saúde não é de proibir a episiotomia, mas de restringir seu uso, porque em alguns casos ela pode ser necessária. Não está muito claro em que situações a episiotomia é, de fato, imprescindível, porque até mesmo partos instrumentais (fórceps ou vácuo-extração) podem ser realizados sem episiotomia. Fala-se muito em "ameaça de ruptura perineal grave", para prevenir rupturas de terceiro ou quarto grau, mas o que, clinicamente, caracteriza essa "ameaça" ainda não está definido.

A episiotomia não é útil na distocia de ombros, porque o problema neste caso é uma desproporção dos ombros fetais com a pelve óssea, e não com o períneo da mãe. Possivelmente esses aspectos serão desvendados em estudos futuros. É importante lembrar que, como todo procedimento cirúrgico, a episiotomia só deveria ser realizada com o consentimento pós-informação da parturiente. O planejamento em relação a esta e outras intervenções também deve fazer parte do plano de parto.

O ideal é que a taxa de episiotomia nos diversos serviços seja inferior a 30%, o que já é realidade em muitos países europeus. A taxa de episiotomias também vem caindo significativamente nos EUA, embora ainda persista elevada: o percentual de episiotomias em partos vaginais variou de 65,3% in 1979 para 38,6% em 1997.

Infelizmente, no Brasil, a situação é ainda mais crítica, porque o procedimento é realizado em cerca de 94% dos partos vaginais. No país que é o segundo "campeão" mundial de cesáreas, quando não se corta por cima, se corta por baixo (Diniz e Chachan, 2004). Urge nos mobilizarmos contra essa prática abusiva, porque reduzir procedimentos cirúrgicos desnecessários é essencial na luta pela humanização do parto e na promoção de cuidados baseados em evidências.

Melania Amorim, MD, PhD
Médica formada pela UFPB
Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia pelo IMIP
Título de Especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela FEBRASGO
Mestre em Saúde Materno-Infantil pelo IMIP
Doutora em Tocoginecologia pela UNICAMP
Pós-doutora em Tocoginecologia pela UNICAMP
Pós-doutora em Saúde Reprodutiva pela OMS
Professora de Ginecologia e Obstetrícia da UFCG
Professora da Pós-Graduação em Saúde Materno-Infantil do IMIP
Colaboradora da OMS e revisora da Biblioteca Cochrane


Esta matéria foi postada pela Dra. Melania Amorim Comunidade do Orkut "G.O. Baseada em Evidências", na parte dos Fóruns em maio de 2005. Disponível em:
http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs?cmm=1615199&tid=9460296

Parto em casa é seguro

Por Melania Amorim

Li com atenção a interessante matéria do Guia do Bebê sobre Parto em Casa [http://guiadobebe.uol.com.br/parto/parto_em_casa.htm]. Efetivamente, a recente notícia de que o parto da modelo Gisele Bundchen foi assistido nos Estados Unidos em sua própria residência, dentro da banheira, teve grande repercussão na mídia e despertou grande interesse em diversas mulheres, além de debate por diversas categorias profissionais.


Entretanto, mesmo bem preparada, a matéria peca por apresentar apenas o ponto de vista de uma única obstetra, sem considerar a visão de diversos outros profissionais que podem participar da assistência ao parto e, sobretudo, sem analisar a opinião das mulheres.

Como obstetra, pesquisadora e integrante do Movimento de Humanização do Parto no Brasil, não poderia deixar de contrapor a este ponto de vista, digamos, “oficial”, por refletir a opinião de grande parte dos médicos-obstetras em nosso país, considerações baseadas não em “achismos” ou receios, mas em evidências científicas.

O parto em casa, conquanto seja uma modalidade ainda pouco freqüente no Brasil, representa uma realidade dentro do modelo obstétrico de diversos outros países, como a Holanda, onde 40% dos partos são assistidos em domicílio, dentro do Sistema de Saúde. Mas vários outros países europeus e até os EUA contam com estatísticas confiáveis pertinentes aos partos atendidos em casa, e é impossível falar em RISCOS ou SEGURANÇA sem considerar os resultados dos diversos estudos já publicados sobre o tema.

Em 2005, chamou a atenção a publicação de um interessante estudo analisando os desfechos de partos domiciliares assistidos por parteiras na América do Norte: "Outcomes of planned home births with certified professional midwives: large prospective study in North America"[http://bmj.bmjjournals.com/cgi/content/full/330/7505/1416?ehom]. O estudo incluiu 5418 mulheres. A taxa de transferência para hospital foi de 12%, com uma taxa de cesariana de 8,3% em primíparas e 1,6% em multíparas.

A frequência de intervenções foi muito baixa, correspondendo a 4,7% de analgesia peridural, 2,1% de episiotomias, 1% de fórceps, 0,6% de vácuo-extrações e uma taxa global de 3,7% de cesarianas. A taxa de mortalidade perinatal (intraparto e neonatal) foi de 1,7 por 1.000, semelhante à observada em partos de baixo risco atendidos em ambiente hospitalar. Não houve mortes maternas. O grau de satisfação foi elevado (97% das mães avaliadas se declararam muito satisfeitas). A conclusão deste estudo foi que os partos domiciliares assistidos por parteiras têm os mesmos resultados perinatais que os partos hospitalares de baixo risco, com uma frequência bem mais baixa de intervenções médicas. Entretanto, alguns críticos comentaram que o número de casos envolvidos seria insuficiente para determinar a segurança do parto domiciliar em termos de mortalidade materna e perinatal.

Seguiram-se vários outros estudos, publicados em diversas regiões do mundo, comparando a morbidade e a mortalidade tanto materna como perinatal entre partos domiciliares e hospitalares. A conclusão geral é que o parto domiciliar NÃO envolve mais riscos para mães e seus bebês, e cursa com vantagens diversas, relacionadas sobretudo à expressiva redução de intervenções e procedimentos. Partos assistidos em casa têm menor risco de episiotomia, de analgesia de parto, de uso de fórceps ou vácuo-extrator, de indicação de cesárea e a taxa de transferência hospitalar fica em torno de 12%. Destaca-se ainda o conforto e a satisfação das usuárias, que vivenciam uma experiência única e transformadora em seu próprio lar. O estudo mais recente publicado no British Journal of Obstetrics and Gynecology (2009) analisou a morbimortalidade perinatal em uma impressionante coorte de 529.688 partos domiciliares ou hospitalares planejados em gestantes de baixo-risco: Perinatal mortality and morbidity in a nationwide cohort of 529,688 low-risk planned home and hospital births. [http://www3.interscience.wiley.com/journal/122323202/abstract?CRETRY=1&SRETRY=0]. Nesse estudo, mais de 300.000 mulheres planejaram dar à luz em casa enquanto pouco mais de 160.000 tinham a intenção de dar à luz em hospital. Não houve diferenças significativas entre partos domiciliares e hospitalares planejados em relação ao risco de morte intraparto (0,69% VS. 1,37%), morte neonatal precoce (0,78% vs. 1,27% e admissão em unidade de cuidados intensivos (0,86% VS. 1,16%). O estudo conclui que um parto domiciliar planejado não aumenta os riscos de mortalidade perinatal e morbidade perinatal grave entre mulheres de baixo-risco, dese que o sistema de saúde facilite esta opção através da disponibilidade de parteiras treinadas e um bom sistema de referência e transporte.

Parteiras treinadas ou midwives, em diversos países, são aquelas profissionais que cursam em nível superior o curso de Obstetrícia e são treinadas para atender partos de baixo-risco e, ao mesmo tempo, desenvolvem habilidades específicas para identificar os casos de alto-risco, providenciar suporte básico de vida em emergências, tratar potenciais complicações e referenciar ao hospital, quando necessário.

Essas profissionais, como a que atendeu Gisele Bundchen, estão aptas para prestar o atendimento à mãe durante todo o parto, bem como para assistir o bebê imediatamente após o nascimento e nas primeiras 24 horas de vida. Embora não haja necessidade de equipamentos sofisticados ou de UTI à porta da casa da parturiente, o material básico de reanimação neonatal é providenciado pelas parteiras certificadas. Parteiras também podem atender em hospital, de forma independente ou associadas com médicos.

Uma revisão sistemática recente encontra-se disponível na Biblioteca Cochrane com o título de “Midwife-led versus other models of care for childbearing women” [http://www.cochrane.org/reviews/en/ab004667.html]. Esta revisão demonstra que um modelo de cuidado com parteiras associa-se com vários benefícios para mães e bebês, sem efeitos adversos identificáveis. Os principais benefícios são redução de analgesia de parto, menor número de episiotomias e partos instrumentais, maior chance de a mulher ser atendida durante o parto por uma parteira já conhecida, maior sensação de manter o controle durante o trabalho de parto, maior chance de ter um parto vaginal espontâneo e de iniciar o aleitamento materno. A revisão conclui que se deveria oferecer à maioria das mulheres (gestantes de baixo-risco) a opção de ter gravidez e parto assistidos por parteiras.

Em resumo, as evidências científicas disponíveis corroboram a segurança e os efeitos benéficos do parto domiciliar. Apenas criticar e apontar possíveis complicações, sem comprovar as críticas com evidências bem documentadas, publicadas em revistas de forte impacto, não pode ser mais aceito em um momento da história em que os cuidados de saúde devem se respaldar não apenas na opinião do profissional mas, ao contrário, devem se embasar em evidências científicas sólidas. Este é o preceito básico do que se convencionou chamar de “Saúde Baseada em Evidências”, correspondendo à integração da experiência clínica individual com as melhores evidências correntemente disponíveis e com as características e expectativas dos pacientes”. Embora iniciado na Medicina (“Medicina Baseada em Evidências”) esse novo paradigma estende-se a todas as áreas e sub-áreas da Saúde.

Melania Amorim, MD, PhD
Médica formada pela UFPB
Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia pelo IMIP
Título de Especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela FEBRASGO
Mestre em Saúde Materno-Infantil pelo IMIP
Doutora em Tocoginecologia pela UNICAMP
Pós-doutora em Tocoginecologia pela UNICAMP
Pós-doutora em Saúde Reprodutiva pela OMS
Professora de Ginecologia e Obstetrícia da UFCG
Professora da Pós-Graduação em Saúde Materno-Infantil do IMIP
Colaboradora da OMS e revisora da Biblioteca Cochrane

Matéria publicada em 03/03/2010 no Guia do Bebê, disponível em:
http://guiadobebe.uol.com.br/parto/parto_em_casa_e_seguro.htm

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Obstetrícia: do sonho ao pesadelo.

Por Cláudia de Azevedo Aguiar¹ e Maíra Fernandes Bittencourt²

 
Em 2005, a USP, contemplando um dos projetos pedagógicos mais atualizados e modernos do ensino superior brasileiro, foi expandida com a Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH). Dentre os cursos desta unidade, está a formação em Obstetrícia - hoje com duas turmas já formadas.

Esses profissionais, tal como definem o site da EACH e o catálogo “A Universidade e as Profissões”, estão habilitados para atuar de forma autônoma ou integrada à equipe de saúde na assistência à gestação e ao trabalho de parto de baixo risco, ao parto normal e ao puerpério (pós-parto).

Para além do acréscimo de vagas na USP, a retomada do curso se deu por uma necessidade de mudanças no cenário da assistência ao parto e nascimento do país. Uma pesquisa rápida aos indicadores de saúde obstétrica e neonatal brasileiros fala por si só. Índices indiscriminados de cesarianas, associados às altas taxas de morbidade e mortalidade materna e infantil ratificam a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde (MS) para a formação de profissionais capacitados.

Do ponto de vista legal, o profissional em Obstetrícia - denominado obstetriz – está inserido na Lei do Exercício Profissional de Enfermagem, e, portanto, deve ser registrado pelo Conselho Regional de Enfermagem (COREN). Fato é que isto só tem ocorrido via ação judicial. Os motivos? É o que se pretende abordar neste artigo.

Em suma, os alunos da primeira e segunda turma, ao se formarem, dirigiram-se ao COREN-SP para realizarem seus registros, quando foram informados de que o conselho “não reconhece” o curso. Segundo o presidente do COREN-SP, sr. Cláudio Alves Porto, a obstetriz contemplada na lei de exercício da profissão de enfermagem não é a mesma formada atualmente pela USP, mas sim aquela do já extinto curso de Obstetrícia da USP da década de 70.

Uma ação judicial fora aberta, então, pelos alunos contra o COREN-SP e, até o momento, todas as instâncias foram favoráveis aos ex-alunos. Como consequência, o conselho foi obrigado a registrá-los, sob pena de lei.

Porém, quando se esperava pela bonança, novas dificuldades surgiram, resultando numa empregabilidade desses profissionais menor do que 10%, em dois anos. Falta de conhecimento do mercado, levando a não contratação dos obstetrizes? Não apenas!

Em sua edição de novembro passado, a Revista de Enfermagem do COREN-SP divulgou uma matéria intitulada “Graduação de obstetrícia da USP Leste: esclarecimentos e alerta do COREN-SP”. Nela, a idoneidade, o conteúdo e a abrangência do curso são ignorados e o profissional por ele formado é denominado incompetente e mal capacitado. Além disso, percebe-se na matéria a reiteração de argumentos inconsistentes para a não contratação de obstetrizes, já que este ato culminaria em problemas ético-institucionais para os contratantes e, no caso dos obstetrizes, o exercício ilegal da profissão.

O referido artigo alerta, ainda, para o risco do enfermeiro responsável nos campos de estágio, que ao receber os estudantes de uma profissão ilegal, termos do artigo, pode responder judicialmente pelas iatrogenias geradas em função do despreparo dos estagiários. Os alunos, ao contrário, sequer responderiam ou seriam penalizados, uma vez que não possuem uma profissão regulamentada.

Sobre a afirmação de que a(o) obstetriz possui uma profissão ilegal, basta que se consulte a já citada lei. Quanto ao risco dos profissionais de saúde cometerem iatrogenias, sabe-se que, quaisquer que seja a sua categoria, é presente e, para isso, existem os órgão regulamentadores e fiscais.

Como o próprio código de ética de enfermagem orienta, entendemos que a atuação dos profissional de saúde deverá ser, a todo momento, criteriosa, e que, inicialmente, deverá se valer da supervisão e orientação de colegas mais experientes, para que a assistência ocorra de forma segura.

Vejamos algumas contradições do sr. Porto: o conselho credencia os obstetrizes, habilitando-os para o exercício da profissão, mas, ao mesmo tempo, não os recomenda. Além disso, ao mesmo tempo em defende que o obstetriz não é enfermeiro e, portanto, não deve ser cadastrado como um, alega que o conselho não possui meios para produzir graficamente uma credencial que diferencie obstetrizes dos enfermeiros. Sendo assim, questionamos: existe alguma dúvida sobre o inevitável conflito que se faz presente e crescente? A quem este senhor está atingindo? Somente os obstetrizes? Fica aqui o nosso alerta aos enfermeiros.

Vale destacar que é de grande interesse dos obstetrizes uma cédula de registro profissional própria, já que não desejam exercer quaisquer outras atividades que não aquelas de sua competência.

Fica claro no julgamento do COREN-SP ao desqualificar os alunos e os profissionais formados em Obstetrícia, que os docentes da Universidade são incapazes de formar no sentido teórico e prático estes estudantes. Julgam que os alunos em campo de estágio e os obstetrizes já formados serão sempre despreparados para exercerem a assistência em saúde da mulher. E nos perguntamos em que momento ocorreu esta avaliação, quais os critérios utilizados e por que são tão discordantes da avaliação realizada pelos renomados docentes do curso e por diversos estudiosos da área de saúde materna e infantil.

Se o projeto pedagógico do curso de Obstetrícia não contempla todas as disciplinas e estágios da formação de enfermagem, a resposta é simples: o curso de Obstetrícia não forma enfermeiros!

Talvez o maior problema do COREN-SP, atualmente, esteja em tomar para si uma função que não lhe cabe: avaliar cursos superiores. O curso de Obstetrícia, como todos os outros cursos superiores do país, passou pelo processo de avaliação do Ministério da Educação cujo resultado foi a aprovação do seu reconhecimento, conforme Portaria CEE-GP nº 368/2008, publicada no D.O. de 23/06/2008.

Consideramos extremamente arbitrário e retrógrado dizer que os obstetrizes formados antes da década de 70 não são os mesmos profissionais formados neste novo curso. Será que o COREN-SP defende, portanto, que a formação dos profissionais é estática? Quer dizer então que os cursos de enfermagem não passaram por reformulações desde a década de 70? Será mesmo que os Conselhos devem ser conservadores ao ponto de não acompanharem as mudanças da sociedade?

Novas perspectivas, novos paradigmas implicam nas mudanças curriculares e inclusive na criação e retomada de novas profissões. E neste sentido as instituições competentes fazem seu trabalho para aperfeiçoar e melhorar estas formações, como faz a USP.

Durante o curso de obstetrícia, os estudantes são a todo momento levados a refletir sobre a importância das mudanças de paradigmas em relação ao modelo hegemônico de assistência obstétrica. Esta formação ressalta a importância de estar focado na mulher e no bebê e não apenas nas técnicas de rotina. Valoriza, ainda, que todos os procedimentos e atenções durante a assistência estejam sempre de acordo com as evidências científicas. Perguntamo-nos se o que assusta este Conselho não seria, na verdade, o questionamento do curso em relação ao atual modelo de assistência à saúde da mulher.

É extremamente frustrante que profissionais recém-formados tenham que, além de enfrentar as dificuldades para o ingresso no mercado e os conflitos entre os modelos de assistência, ter também que se defender e lutar contra quem deveria estar os apoiando. Vale lembrar que os Conselhos não precisam estar restritos a somente uma categoria, e parece ser fortalecedor e inteligente que possam abrigar categoria afins, como é o caso do CREA (Engenharia, Agronomia, Geologia, Geografia e Meteorologia) e do CREFITO (Fisioterapia e Terapia Ocupacional).

Obstetrizes têm ocupado as primeiras posições em concursos públicos, no entanto, estão sendo, humilhantemente, proibidos de atuar. Quando se poderia constituir uma parceria saudável, com objetivos comuns entre estas duas categorias, percebe-se uma evidente briga política e, sobretudo, uma lamentável briga de egos. Enquanto isso, inúmeras mulheres e seus bebês - os menos beneficiados com essa união que insiste em não ocorrer – continuam carentes de mais profissionais qualificados para os assistirem.

1 - Obstetriz formada pela EACH-USP e mestranda da Faculdade de Saúde Pública - USP. claudia.azevedo@usp.br
2 - Obstetriz formada pela EACH-USP e doula. mairafarfala@yahoo.com.br

Artigo publicado no Jornal da USP em março de 2010 em resposta ao artigo da revista do COREN-SP entitulada “Graduação de obstetrícia da USP Leste: esclarecimentos e alerta do COREN-SP” em novembro de 2009.

Por quê Ponto de Partida?

Escolher um título ou um nome é sempre uma tarefa árdua para mim. Encontrar algo que sintetize o que em geral significa muito não é simples. Quando engravidei, por exemplo, tivemos a maior dúvida sobre o nome, resolvi perguntar o sexo do bebê ao ultrasonografista no quinto mês, para pelo menos podermos focar somente em nomes masculinos ou femininos, para mim os masculinos são mais difíceis, mas a resposta veio logo: - é um menino. Pensamos em Gil, mas ficamos no João sem muita certeza, sem muita convicção, embora eu ache este nome muito bonito, não me via ou ouvia chamando o meu filho por ele, mas assim ficou até o dia do seu nascimento quando demos de cara com um serzinho lindo, mas que não tinha cara de João, tinha cara e jeito de anjo. Decidimos chamá-lo de Miguel.
Antes de escolher "Ponto de Partida", havia pensando em dar a este blog o nome "Ao lado", pois é forma e mesmo a essência de como vejo o trabalho de uma parteira e também de uma doula, alguém que está ao lado da mulher enquanto ela gesta, pari e mesmo enquanto ela inicia a amamentação (ou não) e no mundo da maternidade extra-uterina. Faz sentido, mas pareceu me deixar a deriva, não estar. Lançado assim no universo internético me pareceu sem força e não tão de acordo com o quê este espaço se pretende.

Então lembrei de uma conversa que tive com a Coordenadora da Escola infantil que estudei e hoje meu filho estuda: Ponto de Partida. Ela contou como foi para o grupo a escolha do nome da escola no ano de 1976. O grupo de educadores foram assistir a peça de teatro do Gianfrancesco Guarnieri com este mesmo nome, em pleno momento de abertura política do país. Uma peça que já pode então começar a denunciar as atrocidades do período da ditadura militar.

Hoje recém formada no curso de Obstetrícia da USP, participando de um grupo que também retorna ao cenário brasileiro em busca de mudanças, de promoção de atenção qualificada, de reflexões e de muita vontade de conquistar espaços de atuação. Queremos hoje, junta(o)s com outros profissionais que já começaram a retrilhar esta profissão, exercer um papel extramante antigo na história da humanidade, que é o de ser e se tornar parteira, estar ao lado das mulheres e fazer deste encontro um enorme Ponto de Partida.

Maíra Fernandes Bittencourt

Obstetriz e doula