segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Ajustes gerados pela inovação

 




Para ampliar as oportunidades de seus alunos no mercado de trabalho, curso de Obstetrícia faz alterações na sua grade curricular – entre elas, o aumento da carga horária de disciplinas básicas, como Anatomia, Biologia Celular e Fisiologia

Telma Zorn: experiência positiva


Criada no espírito da ampliação do número de vagas nas universidades públicas de São Paulo, a Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, localizada na zona leste, vem construindo sua ainda curta história com base na inovação. Os próprios cursos, que começaram a receber alunos em 2005, em muitos casos também são “desbravadores” em termos da formação que propiciam e, consequentemente, dos desafios profissionais à espera de seus egressos.

É o caso do curso de Obstetrícia, que acaba de ter uma reformulação aprovada pela Universidade, fruto do trabalho de uma comissão que incluiu professores de várias unidades. As principais mudanças incluem o aumento da carga horária, especialmente do número de horas-aula nas disciplinas obrigatórias, com redução nas horas de crédito-trabalho. Os alunos terão aulas de manhã e à tarde, e o curso será de nove semestres de duração, em lugar de oito.

A maior parte das horas acrescentadas corresponde a aulas de ciências básicas, que são dadas a todos os cursos da área da saúde da USP – disciplinas como Anatomia, Biologia Celular, Fisiologia, Parasitologia e outras. As aulas serão ministradas no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), como já ocorre com os demais cursos. Também será ampliada a formação em alguns aspectos da enfermagem generalista, com participação de docentes da Escola de Enfermagem (EE) da USP. A planilha de aulas foi elaborada de tal forma que os alunos não tenham aulas no ICB, na Cidade Universitária, e na EACH, na zona leste, no mesmo dia.

Dificuldades – A constatação das dificuldades enfrentadas no mercado pelos cerca de 80 alunos formados nas duas turmas que já concluíram o curso (em 2008 e 2009) foi fundamental para a implantação das mudanças. Como a graduação é pioneira no Brasil – até então a Obstetrícia vinha sendo oferecida como especialização da Enfermagem –, o Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren) negava-se a fornecer o registro profissional aos egressos. Assim, os hospitais não contratavam os formados, que também viam seus diplomas não ser aceitos nos concursos de instituições públicas.

Em fevereiro, os alunos formados obtiveram na Justiça uma liminar para receber o registro no Coren, mas mesmo assim os problemas se mantiveram. O conselho só pretende conceder o registro aos alunos já formados que fizerem a complementação. “Desde que o curso de Obstetrícia foi iniciado, havia um processo contínuo de avaliação”, diz a professora Nádia Zanon Narchi, coordenadora do curso. “Desde 2008 já havia diagnóstico da necessidade de ampliação da carga horária teórica e prática do curso, bem como de inserção de disciplinas tanto básicas quanto específicas. A mudança só foi operacionalizada agora, mas já estava planejada.” A reforma efetiva começou no início deste ano e envolveu alunos e professores do curso, além da direção e órgãos colegiados da EACH. Para a criação da comissão interunidades encarregada da reestruturação, foi fundamental a condução da Pró-Reitoria de Graduação, com apoio da EE e do ICB. “Foi um trabalho extremamente harmonioso e uma experiência muito positiva. A EACH deu um exemplo para a USP”, acredita a pró-reitora Telma Zorn.

Coragem – Em carta dirigida ao jornal O Estado de S. Paulo, que tem publicado reportagens e editoriais sobre o tema, o diretor da EACH, Jorge Boueri Filho, apontou que a unidade está “atenta às necessidades de seus alunos” e que, “por ter em seu projeto inicial a marca da inovação e da adaptação, fez mudanças na grade curricular para que os egressos do curso de Obstetrícia possam enfrentar menor resistência em determinados locais de trabalho”. O professor salienta que as dificuldades não se referem à qualidade da formação ou à competência profissional, e que o maior desafio “ainda parece ser o de vencer o preconceito e a desconfiança com as novas carreiras”.

Um dos pontos necessários para superar essas resistências é a concessão do registro profissional pelo Coren. No início de julho, a pró-reitora foi à sede do conselho, onde se reuniu com seu presidente, Cláudio Alves Porto. De acordo com Telma Zorn, Porto declarou que, após os alunos realizarem a complementação, terá prazer em “entregar pessoalmente” a carteira do conselho. Uma nota publicada no site do Coren informa que a proposta apresentada pela EACH foi encaminhada ao Conselho Federal de Enfermagem “a fim de verificar que todos os requisitos para a concessão da inscrição de enfermeiro aos alunos deste curso estejam contemplados”.

Para a pró-reitora Telma Zorn, é possível que reformas sejam necessárias também em outros cursos da Universidade. “Determinar critérios de avaliação para a graduação não é fácil no mundo inteiro, mas temos que fazê-lo de maneira crítica. A característica da Universidade é se repensar e se revisar constantemente”, diz. O caso da EACH é especial “por se tratar de um projeto novo”. “Mas temos que ter a coragem, a disposição e a tranquilidade de fazer isso”, conclui.

Alunas do curso de Obstetrícia: mais aulas de disciplinas fundamentais

“Isso é um ganho”
Os alunos que já se formaram em Obstetrícia estão sendo convidados a retornar à USP para fazer o complemento do curso, que pode ser realizado em um ou dois semestres, dependendo da disponibilidade do estudante. Os nomes serão reinseridos no sistema Júpiter e a complementação será anexada ao diploma original.

Formada em 2009, Priscila Raspantini, 24 anos, pretende retornar para conciliar as aulas na graduação com o mestrado que já iniciou na Faculdade de Saúde Pública da USP. Para ela, entretanto, ainda há entre os colegas uma visão de decepção com a realidade encontrada após a formatura. “Só havia uma turma antes da nossa e nós sabíamos que éramos meio ‘cobaias’, mas eu sempre fui motivada pelo objetivo do curso. Sabíamos que havia falhas, mas acho que todos os cursos têm”, diz. As grandes dificuldades vieram à tona quando a primeira turma se formou, em 2008. “Não imaginávamos que haveria todos esses problemas com o Coren”, conta.

Priscila acredita que a complementação é uma oportunidade para não ficar com a formação prejudicada em relação aos estudantes que ainda estão no curso ou que entrarão nele a partir de agora. “A Universidade está se reajustando para nos receber de novo, e isso é um ganho”, diz.

Para além da complementação, é o registro que preocupa Priscila. “Não adianta o conselho entregar a carteira e não reverter toda a propaganda contrária. Se aos poucos essa visão negativa for revertida, acho que teremos um bom campo de atuação, porque vemos que faltam profissionais”, diz. É por essa razão que ela acredita que a maioria dos alunos – “os que sempre tiveram o objetivo de atuar na área” – vai fazer o esforço de voltar às salas de aula.

O que muda
Disciplinas obrigatórias: de 3.660 horas (2.430 CA e 1.230 CT) para 4020 horas (3.750 CA e 270 CT).
Disciplinas optativas: antes não eram exigidas, agora serão 120 horas de CA.
Atividades complementares: 120 horas de CT.
Total: 4.260 horas (3.870 CA e 390 CT). Curso passa a ter nove semestres em lugar de oito.
(CA – crédito-aula; CT – crédito-trabalho)

(Matéria de Paulo Hebmüller, publicada na edição on-line do Jornal da USP, em 26/07/2010)

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